Pelo Mundo

Psicologia aos olhos do paciente

A psicologia é uma ciência única. Entender um mecanismo do ser humano tão abstrato não é tarefa para qualquer um. Se já é difícil entender a nossa própria mente, imagine estudar diversas. Cada uma funciona de acordo com o seu próprio ritmo. O nível de observação de cada reação dos pacientes aos olhos dos psicólogos é importante, cada detalhe importa.

Faço terapia há 10 meses e foi o melhor hábito que inseri em minha vida. Posso chamar as sessões de um hábito? Comecei antes da pandemia estourar por motivos que não combinam com o momento em que vivemos, para falar a verdade, pouco falei sobre essa crise global.

Aos meus olhos, as sessões foram como estar perdido em uma floresta, sem ter noção de onde estava a trilha para ajudar a me localizar. No caso, a terapia foi o facão que limpou o caminho na minha frente e só dependia de mim para seguir aquela trilha. Em diversos momentos me deparava com a mesma situação na floresta, eu perdia a trilha e precisava encontrá-la de novo.

É isso que percebi após algumas sessões: clareza. Nem sempre óbvia de primeira instância e nem sempre instantânea após cada sessão. O processamento de todas aquelas ideias e revelações aconteciam em momentos aleatórios.

Questionamentos

Sabe aquela criança que aprende a falar e entende o poder das perguntas? Esse sou eu. Me questiono sobre qualquer coisa, desde um livro que pretendo comprar até quando vou escrever um texto. Se eu não vejo motivo, um para quê?, deixo aquilo de lado. Não acredito que as situações sejam simples ao ponto de seguirem seu curso natural, até o mais banal ato de escolher uma roupa é por algum motivo.

Steve Jobs e Mark Zuckerberg, fundadores da Apple e Facebook, ficaram famosos ao usar as mesmas peças de roupas. Até esse simples ato de facilitar a tomada de decisões diárias é um questionamento. Para eles chegarem nisso, precisaram questionar o hábito anterior.

Nas minhas sessões, quanto mais eu questionava sobre determinado assunto, mais fundo entramos naquele universo que, várias vezes, mudou para outro tema. Não era uma mudança sem sentido, mas outra maneira de enxergar aquela situação.

Não vejo a psicologia apenas como um guia de como resolver problemas da melhor maneira. Acredito que não tenho problemas complicados, mas quero saber enxergar as situações que me aparecem, que apenas um psicólogo poderia me guiar imparcialmente.

Imparcialidade

Tomar partido nas situações não nos ajuda a seguir pelo melhor caminho. Família e amigos são parciais e, geralmente, ficam do lado da pessoa que mais lhes convém. Somos fortemente influenciados por quem está ao nosso lado, mesmo que isso não seja o que a pessoa deseja.

O psicólogo não toma partido. Ele joga os cenários percebidos naquela conversa e mostra as suas percepções de acordo com a versão do paciente. Vai existir um equilíbrio até quando o paciente jogar a situação ao seu favor, o psicólogo vai trazer outra versão do que e como poderia ter acontecido certas situações por motivos x, y, z.

Um exemplo pessoal que não vejo problema em contar. Já tive pessoas próximas que disseram que não botavam fé em mim, que não sentiam firmeza na minha pessoa. E eu tomei isso como verdade. Me coloquei em uma posição que me via como um inútil, esse foi o baque da influência que uma pessoa tem sobre a outra.

Alguém próximo a mim, diria um monte de merda sobre o outro lado, tomou partido. O psicólogo pegou um caminho mais longo e me fez redescobrir que aquele sentimento de inferioridade não condizia com o que eu realizava. A síndrome do impostor era a minha sombra, onde eu ia, ela ia junto.

Demorou um tempo até entender que eu “botava fé” sim, mas precisei seguir várias trilhas até chegar no ponto em que eu acreditava nisso.

Registrar a sessão

Uma sessão de um hora por semana, parece pouco? O processador que tenho na cabeça deve ser ruim então, porque demoro um bom tempo para processar toda a informação daquele dia. A mais pura sinceridade, no início eu esquecia o que falei na sessão anterior. Eu lembrava de alguns relances, mas grande parte se apagava devido à quantidade de informações daquele dia.

Depois de três sessões cansei de forçar a minha cabeça para lembrar exatamente o que falamos na sessão anterior. O que eu fiz? Comecei a escrever uma página no caderno depois de cada encontro.

Mudou completamente a maneira que eu agia em nossos encontros. Não precisava mais ficar quebrando a cabeça para lembrar sobre o que conversamos. Melhor ainda foi quando troquei o caderno pelo Evernote, um aplicativo de anotações, e criei uma pasta apenas para essa finalidade.

Aquele encontro de uma hora por semana era muito importante para mim, não podia deixar de esquecer nada. Se em algum momento quisesse reviver aquilo, tinha tudo registrado. Foi um exercício de escrita também. Além de ter criado esse hábito, coloquei na minha cabeça que deveria escrever pelo menos 500 palavras.

Tenho 35(!) arquivos intitulados Conversa #x, onde x é cada sessão. São cerca de, 17.500 palavras!

Daqui a pouco consigo escrever um livro só com essas informações.

Quanto mais recorrente, melhor

Sentir-se à vontade é a questão-chave para aproveitar aquela uma hora. Intimidade não se cria em um punhado de sessões. Da mesma maneira que o psicólogo quer entender como a psique do paciente funciona, o paciente quer saber qual a reação do terapeuta ao longo das conversas.

O terapeuta que eu compartilho minhas ideias e loucuras costuma me indicar livros, ele percebeu que esse é um ativo importante para mim e sempre coloca títulos comparativos com algo que digo em nossas sessões. Imagino que cada terapeuta segue uma linha com seus pacientes, mas é único na maneira que lida com cada caso.

Fazer analogias com histórias registradas em livros com situações vividas por mim, é muito mais fácil de enxergar o que acontece. Nós dois percebemos isso, mas descobrimos depois de várias sessões uma dinâmica interessante entre as duas partes.

Após ter escrito 35 arquivos, podemos dizer que cada sessão fica mais fluida porque confio nos caminhos que acabamos seguindo. Funcionou até agora para mim. Tenho vários amigos psicólogos e é gratificante para eles ter esse funcionamento com os seus pacientes.

Uma dica é: comprometa-se com o seu psicólogo. Se você acredita que precisa fazer, faça, mas seja recorrente. Não acredito que fazer um mês, parar no mês seguinte e depois voltar vá ajudar.

Não vai cair respostas no seu colo

Trabalhar com um psicólogo não faz milagre e não vai ser a cura para os seus problemas. Não é como tomar remédio para dor de cabeça e uma hora depois nos sentimos melhores. Se encontrar com o psicólogo se trata mais do processo que a sua resolução. As pessoas carregam suas situações de modos diferentes. O que passo pode ser irrelevante para alguém.

O psicólogo vai te trazer clareza da sua situação.

Consigo pensar em casos onde o paciente realmente tem problemas, talvez distúrbios alimentares ou psicológicos. Para um profissional da saúde mental, tratar situações como essas são diferentes, exige mais jogo de cintura para não afundar de vez a pessoa.

Como mencionei no início, o que mais me fascina nessa área é encontrar um caminho cheio de mato e tentar encontrar a sua trilha. É nesse processo que, na minha cabeça de alguém leigo em relação às faculdades psicológicas, consigo entender melhor o que se passa comigo em determinada situação.

As respostas não são óbvias, mas cada sacada se conecta com outras e tudo o que se passa em nossas cabeças estão interconectadas.

Analisar é tão fundamental quanto se questionar

Questionar é automático, analisar, nem tanto. Parece que isso acontece naturalmente, uma sessão não vai para frente se não analisarmos os nossos questionamentos. Nem todas as nossas verdades estão certas. Parar, pensar e rever os nossos questionamentos sobre determinada situação é tão importante quanto questioná-la.

Sempre me questionei sobre situações que me deixavam inseguro. Eram situações diárias como escrever um texto, o meu livro ou ter que conhecer gente nova. Acreditava que tais momentos me deixavam inseguro, mas sempre os fazia. Nunca olhava isso como um desconforto inicial. Eu sabia onde me metia, mas alguns momentos me traziam desconforto.

O mesmo sentimento que nos deparamos com o desconhecido. É insegurança ou apenas desconforto com a situação? No meu caso, desconforto.

Olhar com outras perspectivas

Se olharmos nossas situações que levamos ao psicólogo com uma perspectiva, deixamos de conhecer outras. Acredito que o paciente sempre vai levar as suas verdades como inquebráveis. Mas após questionar situações e analisá-las encontramos possíveis soluções para o que estamos passando de maneira ampla.

Conseguimos pensar com clareza. Abrimos o mato na nossa frente e entramos na trilha. Essa é a beleza da psicologia na minha opinião, olhar a situação panoramicamente. Chegar nesse ponto não é simples, quando buscamos um terapeuta temos a cabeça pesada e cheia de pensamentos nebulosos.

Sinto que a clareza vem quando varremos todo o lixo que se passa em nós. Assim damos espaço para novas perspectivas.

A psicologia aos olhos do paciente é continuar descobrindo trilhas em suas próprias florestas. Após dez meses de consulta consecutiva e conversas com amigos, é isso que percebi pelos meus olhos. Se o mundo tivesse a oportunidade de fazer terapia, seria lindo! Se você puder, faça.

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One Reply to “Psicologia aos olhos do paciente”

Elianalemos11@hotmail.com

Você sempre surpreendendo com seus textos.
Opinião válida para todos aqueles que querem mudar ou precisa de um profissional.
Parabéns.