Pelo Mundo

Pânico na fila

Sobre meus primeiros dias na Itália e minha confusão mental no ginásio de escalada.

Aprender um idioma sem estar no país onde a língua aprendida faz parte do cotidiano é algo factível de acontecer. Existem aulas, excelentes professores para te auxiliar no processo, há conteúdo grátis na internet e dezenas de aplicativos para deixar o processo menos caótico – embora o caos seja importante quando aprendemos um idioma, trabalhamos com um cérebro que ainda não está acostumado com aquela nova realidade e nos faz querer desistir, contudo, não o fazemos para seguir em frente com o objetivo de nos tornarmos fluentes.

E quando, depois de alguns anos de dedicação em aprender um idioma, somos jogados às reais situações para nos virar, sempre existe um pouco de pressão. Foi nesse momento que aconteceu o meu pânico na fila. Não foi em uma fila de grande glamour onde um erro de gramática ou vocabulário me deixaria de cama em algum hospital ou fosse capaz de distorcer as minhas palavras na hora de comprar ingressos no cinema.

Era o meu terceiro dia na Itália, mais precisamente em Turim, fui fazer a minha matrícula e em uma academia de escalada(ou arrampicata em italiano). Coloquei todo o italiano que aprendi em aulas online para jogo naqueles quase 10 minutos de espera para falar com a atendente da recepção. Havia pelo menos oito pessoas na fila que se comunicavam entre si em italiano – fui jogado aos leões. Eu precisava fazer o básico em uma troca de palavras que girava a 2.000 RPM, porque havia pessoas atrás de mim que queriam ou entrar na academia ou fazer suas inscrições da semana e do mês. Fui chamado depois de quase 10 minutos na fila (pelo jeito o horário das 19 horas seria sempre um caos para mim: nunca mais voltei no mesmo horário).

Cumprimentei a recepcionista e disse que gostaria de fazer a minha matrícula de mensalista. Ela me passou as informações, todas bem precisas, escritas em um papel. Entre o tempo de ser chamado e finalizar meu processo de matrícula, meu cérebro se contorcia: ele não estava acostumado a se sentir tão desconfortável desde que tivemos a uma experiência similar em um país hispanohablante em 2018. Se há alguém nessa história que preferiria continuar dormindo a se levantar ou relaxar em alguma praia escaldante com água de coco, esse alguém era o meu cérebro.

O freio de mão dele é forte, rápido e quase eficiente. Digo quase, porque o deixei um pouco mais maleável depois de tantas outras situações pelas quais ele odiaria passar novamente. O pânico na fila foi o ápice do meu estresse naquele dia, nem uma reunião em inglês com algum blogger famoso conseguiria me tirar de si como aquele momento na fila. Senti meu italiano escorrendo pelas minhas mãos enquanto tentava pegá-lo no ar. Passou.

O peso de um idioma ainda cru sobre minhas costas se tornou algo administrável depois que me troquei e fui fazer meus primeiros percursos de escalada naquele novo lugar onde eu passaria a frequentar dia sim e dia também. Enquanto queimava todos os meus tendões, musculatura das costas, dos dedos e de todo o microambiente envolto de músculos (os quais eu jamais saberia nomear), meu cérebro vadio despertou da reclusão, se tocou que não teria escapatória e zarpou em busca de compreender o que se passava ao seu redor, agora com atenção redobrada. Ele deve ter pensado “já conheço esse filme, melhor eu me acostumar com essa italianità e começar a viver nesse novo ambiente”.

vespa italiana

Mal sabia ele que seriam dois meses, com alguns meses de pausa, e depois mais dois meses e poucos nessa mentalidade. O desconforto precisou ser amaciado com muita esforço até entender que o pânico era momentâneo e que meu conhecimento do idioma era mais do que suficiente para as atividades cotidianas. Depois de duas semanas de visitas ao centro de escalada, não apenas melhorei minhas movimentações nas paredes, mas também dialoguei com as pessoas enquanto treinava.

Aprender um idioma e praticar em um centro de escalada é  ouro para quem quer conhecer pessoas abertas a ensinar e escutar. Não é um ambiente hostil, não há competitividade exacerbada, e cada um segue o seu ritmo. O mais belo é o zelo entre os esportistas que se ajudam mutuamente.

Para escalar, não basta força e destreza: é sobre completar um quebra-cabeça que junta todas as características precedentes junto com as peças necessárias. É um conjunto de estratégias de curta duração e alto impacto – isso quando falamos de um centro de treinamento indoor; quando falamos de uma rocha, a conversa caminha para outro lado. Eu trabalhava a movimentação da melhor maneira possível e meu fiel companheiro cérebro seguia com o seu radar ativo para entender a essência daquele novo idioma, sua tonalidade, sua estrutura, sua cadência.

Depois de duas semanas, ele estava imerso naquele mesmo ambiente onde duas semanas antes havia entrado em pânico. O pânico se desvencilhou de mim depois de algum tempo, depois de alguns julgamentos (que provavelmente nunca foram feitos, criados pela minha cabeça). Já sabia falar algum italiano; desacoplei-me da única pessoa com quem me comunicava no idioma até então, que era a minha professora, e fui para o mundo.

Esse movimento me deu asas para que eu fosse mais longe, para que eu realmente sentisse o que era ser jogado novamente aos leões ao aprender um novo idioma ou uma nova habilidade. Deixou as minhas aulas mais interessantes: agora, eu conhecia alguma coisa daquele mundo, já havia falado com escaladores, caixas de mercado, lojistas, livreiros, curadores de museus e igrejas.

A vida em outro idioma deixou de ser uma tormenta e passou a ser algo parecido com casa. Depois de quase um mês e meio, o pânico na fila evaporou-se. Hoje, carrego o melhor sentimento sobre aqueles dez minutos na fila do centro de escalada, mas lembrar do que precisei fazer para transformar aquele momento no meu novo normal me dá calafrios. Essa evolução contorce qualquer ser humano que está para mudar de nível, mesmo que pareça algo banal visto a partir de outros olhos.

O choque resulta no crescimento. Grazie ao meu cérebro, que se dedicou a não apertar snooze e se levantar de vez. Enquanto ele observa o ginásio, seis novos calos aparecem em minhas mãos.

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