Sobre a Escrita

Levei 28 anos para escrever um livro

Como assim uma pessoa leva 28 anos para escrever um livro? Parece muito tempo, mas há escritores que levaram 40, 50, 60 anos para escrever seu primeiro livro. O período antes de começar a escrever qualquer coisa conta como momentos de absorção de toda a experiência necessária para que aquela arte possa ir para o mundo. Claro que a ação para colocar tirar o livro do modo projeto e colocá-lo em forma material é outra coisa, levei um mês e meio para secar a minha cabeça com tudo o que queria marcar o papel.

Eu parei para pensar e por muito tempo minha cabeça começou a voltar no meu passado para entender de onde e como essa ideia surgiu de escrever um livro.

Entre livros

Não foi de uma hora para outra que isso aconteceu. Vamos dizer que o ponto inicial, o day one, foi quando eu abri pela primeira vez o livro Nicolau tinha uma ideia. Eu não lembro quantos anos tinha exatamente, mas menos de dez.

Esse livro não tem nada de excepcional, é uma história simples de 40 páginas que gira em torna de pessoas que tinha ideias guardadas para si, mas não compartilhavam. Foi nesse momento que Nicolau teve sua grande ideia, de começar a ouvir a ideia dos outros. Para uma criança é uma história interessante.

Qual a ligação entre o livro do Nicolau e escrever um livro 18 anos depois? Foi o meu envolvimento que tive com aquele livro na minha infância, ele me desencadeou a querer abrir outros livros para ouvir a ideia de outras pessoas. Não paramos para pensar em como o nosso passado influencia em como podemos agir. Nunca alguém poderia adivinhar que eu escreveria um livro “do nada”, mas que esse evento aleatório não foi tão aleatório assim.

Depois de Nicolau tinha uma ideia, eu ganhei e comprei livros de todos os tipos e tamanhos. Vou deixar registrado que nem sempre amei ler, principalmente quando partia de uma obrigação, como a lista de livros chatos que a escola passava. Machado de Assis é excelente, mas não para uma criança.

Enquanto eu estava na escola lia o que me interessava. Antes de terminar o ensino médio já tinha lido os livros do Senhor dos Anéis e o Poderoso Chefão, me envolvia com dezenas de histórias na época do vestibular que fugiam da lista de livros que passavam. Mas eu nunca deixava de ler algo, vivia entrando em livraria ou sebos e saia com, pelo menos, uma obra.

Ouvi uma frase um dia que dizia que nem todo leitor é escritor, mas todo escritor é um leitor. Faz todo o sentido.

Um dos meus pilares para iniciar o meu livro foi a leitura. O que me leva a entrar em outra esfera para entender o meu desejo em escrever um livro.

Pelo mundo

Puxando o ganho com os livros para não os deixar no esquecimento. Eu tinha um atlas quando criança para as aulas de geografia e sempre soube onde ficavam os países. Eu abria e ficava maravilhado com o tamanho da Europa e como seria ver aquilo que os filmes nos mostravam.

A internet ainda não era o nosso meio mais habitual para pesquisar, o atlas era o meu Google Maps e passava o dia vendo ele. Ir para outro país era uma ideia tão distante que se me perguntasse o que era mais fácil: ir para a China ou ir para Marte, eu não saberia responder. Se já foram para a lua, por quê marte não? Ingenuidade minha.

Eu sempre via esse desejo de ir para outro país como algo distante. A primeira vez que fiz isso foi com 26 anos e onde passei os melhores momentos que eu poderia desejar.

Querer ir para um país diferente que não fosse o meu sempre se passava na minha cabeça e consegui isso. Um amigo de infância me lembrou de uma passagem nossa onde eu contava para ele que meu sonho era atravessar a América do Sul com a moto do meu pai, eu não lembrava disso. Quando ele me contou isso minha cabeça resgatou essa memória e parecia que tinha acontecido há tão pouco tempo.

Eu não fiz essa viagem de moto, não ainda.

O pilar de querer conhecer um mundo diferente esteve presente comigo desde quando eu abri o livro do Nicolau e os atlas para saber o que vinha depois dos mares. O desejo começou a ganhar forma quando essas duas experiências que tive se juntaram: os livros e a noção de mundo.

Em 28 anos esses dois pilares foram criados.

Uma pitada de audácia

Esse terceiro pilar apareceu depois dos meus vinte anos. Enquanto os livros e histórias, e amor pelo mundo apareciam na minha infância. A audácia deu seus primeiros passos no momento certo. Quando eu comecei a questionar a existência de outras possibilidades no mundo.

Eu estava quase terminando a minha graduação em administração de empresas e me perguntei: “existe vida lá fora?”

No ambiente em que eu vivia o normal era eu conhecer advogados, empresários, contadores, economistas e engenheiros, mas eu não tinha, por exemplo, uma artista plástico que ambientasse o mesmo lugar que eu. Nem mesmo um parente.

Eu sempre li livros e comecei a me questionar como eles eram feitos depois de muito tempo. “Será que essas pessoas vivem disso?”, “é possível ser pago e ainda escrever, cantar, pintar, ser montanhista?”. Descobri que muitas dessas pessoas que eu lia os livros e lia sobre faziam daquela atividade como a sua principal.

Foi quando eu tive uma pitada de audácia e conversei comigo: “se eles fazem isso como trabalho, por que não eu?”. Foi assim que eu sentei a primeira vez na frente do meu PC e escrevi uma história para a minha primeira namorada. Nada de excepcional e exagerado. Apenas uma crônica daquele momento em que eu ia buscar ela na rodoviária quando vinha me visitar.

Esse foi o meu primeiro momento de audácia a enfrentar o mundo e entrar na mesma onda que escritores.

De alguma maneira eles começaram. Foi com essa premissa que fui atrás da biografia e saber mais sobre Ernest Hemingway, Paulo Coelho, Stephen King, JK Rowling. O que faziam quando jovens? Qual foi o primeiro livro escrito de cada um e como fizeram para dar os primeiros passos.

Nenhuma história tinha glamour. Se colocar no mesmo lado da moeda de pessoas que eu considerava o supra sumo da arte é muita audácia da minha parte. Escrever o meu primeiro livro não aconteceu em alguns meses, levou anos até que toda uma cadeia de pensamentos e realizações se juntassem para que Entre Atlas e Oceanos saísse.

Não me considero um escritor excepcional, mas não me deixei levar que a ideia de impossibilidade me segurasse por mais tempo. Tenho minhas crises pessoais e a síndrome do impostor me pega de surpresa sempre que baixo a guarda.

O que esperar daqui para frente?

Vou continuar a escrever outros títulos. Ideias são o que não faltam na minha cabeça, o Nicolau deixou a sua marca em minha vida e me ensinou a ouvir a ideia de outras pessoas. Foi assim que meu livro foi criado, a partir da minha interação com outros viajantes pelo mundo.

Entre Atlas e Oceanos levou 28 anos para ficar pronto, depois que todos os pilares da minha vida se juntaram em um só e me deram o presente da escrita. Se o que faço tem qualidade eu não sei, mas eu nem imagino como vai ser a minha escrita aos 50 anos. Quanta bagagem para colocar no papel!

Há quem acredite que os melhores momentos já se passaram, eu vejo o que futuro tem para me revelar e quanta coisa tenho para criar.

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One Reply to “Levei 28 anos para escrever um livro”

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